quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A enfermeira da Jamaica.


Tempos atrás um amigo resolveu conhecer um desses resorts do Caribe que só aceitam casais. Foi com a mulher e o casal de filhos, já mocinho e mocinha.
Por um infortúnio, a filha dele se machucou e ele a levou no atendimento médico.
Lá se apresentou como pai da garota e a enfermeira respondeu um “hã,hã” daqueles bem cheio de cumplicidade. Não bastou sua indignação mineira e a insistência de dizer que era o pai; a enfermeira quando conversava com o médico quase que soletrava a palavra marido.
Certamente ela já vira tantas vezes velhinhos safados vivendo semana inteira de alegrias com jovens que poderiam ser suas filhas ou netas que, para ela, não importava mais a verdade; desempenhava sua função com indiferença e com suas convicções.

Cito o exemplo para justificar a última frase desta crônica, após as três situações abaixo:

A primeira diz respeito a um assalto que vi acontecer em frente à Igreja São Gabriel, no Itaim.
Um garoto de vinte e poucos anos, com uma arma enorme, assaltou o motorista que estava há dois carros à minha frente. Após pegar o que queria, ele colocou a arma na cintura para que todos vissem e saiu caminhando comemorando seu triunfo.
Às pessoas, tão desesperadas quanto eu, só restou passar ao seu lado de cabeça baixa pedindo a Deus que as fizessem invisíveis.
Que sensação horrível!
Que impotência!
Que desesperança!
Então, não adianta o Governo dizer que os crimes baixaram; como aquela enfermeira vou continuar achando que voltar vivo para casa é uma loteria que temos que ganhar todo dia, pois basta errarmos uma vez e pouco mais de vinte, trinta gramas de chumbo, vão encerrar nossa existência.

A segunda situação diz respeito ao Apagão.
Assim que aconteceu, percebi sua extensão e falei para a Fernanda que devia a falta de energia elétrica atingira todo o país.
Imediatamente veio à memória que minha filha mais velha deveria estar no Metrô naquela hora e meu desespero só passou quando a caçula conseguiu falar com a irmã e soube que a menina havia saído dos subterraneos duas estações antes da sua e fora caminhado pelas ruas junto a outras pessoas, à luz de faróis e às buzinas. Subiu os vários andares para seu apartamento conversando com um vizinho que ainda escalaria mais cinco andares.
Comentou que até havia sido divertido, por que a nós brasileiros sempre sobra alegria, até mesmo nas desgraças.
Todas as explicações dadas pelo Governo até agora tiveram o mesmo efeito das palavras do meu amigo acima; podem falar o que quiser que eu, tal qual a enfermeira, não acredito em nada.
Tudo o que se faz é blindar uma candidata de um lado e se jorrar felicidade do outro, pois nada como o tempo para se vingar do “quanto pior, melhor”.
Araruta tem seu dia de mingau, como diria minha mãe.

A terceira situação foi a queda de três vigas do Rodoanel sobre carros na Rodovia Régis Bittencourt.
A primeira providência governamental foi dizer que não houve “falha no projeto” e sim “falha na execução”.
Ah bom!
Então quando acontece um ERRO basta dizer: Foi um erro tal e basta.
Basta?
Basta!
Quis a Providência Divina que a queda se desse à noite, ninguém morreu.
O que teria acontecido se tivesse pego um ônibus e acabado com a vida de trinta pessoas e suas trágicas conseqüências para as famílias? Iriam instalar uma CPI?
Um erro?
Que erro, hein!

Só me resta um aviso:
No ano que vem teremos eleições e não vai adiantar nada a candidata D ou o candidato S jurarem de pé junto que tudo mudou porque eu, como aquela enfermeira, vou continuar acreditando que os postulantes são, na verdade, a mulher do meu amigo.


Aceitam um cappuccino?

Um comentário:

Fabiano disse...

Como um indivíduo consegue juntar um prosaico episódio no Caribe com nossas mazelas sociais? Definitivamente, o sujeito experimenta alucinações cotidianas...