terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Manteiga e o Martelo.


Ainda que tenha vivido o Dia dos Pais e guardado silente o peso da ausência do velho, o domingo passado me reservou várias lembranças e, uma delas em particular, disse respeito à minha mãe e sua curiosa mania de desferir provérbios.
Surgiu no meio de uma prosa e eu até me desliguei do ambiente.
Mamãe tinha um ditado para cada circunstância como, por exemplo: “Não há mal que sempre dure nem bem que não se acabe”, provavelmente o ditado que mais ouvi. Era remédio para tudo: perda de um emprego, fim de namoro, nota baixa na escola, nota alta na escola.
Certa vez fui assistir ao musical O Homem de La Mancha, e nela Sancho Pança é retratado como um “pudim de ditados”, palavras de Alonso Quintano num instante de sanidade. O amigo que via o filme comigo riu a valer após confessar que aquele personagem lembrava Dona Hélia.
Ela citava um ditado que, absolutamente, não conseguia ver qualquer senso: “O que arde cura, o que agarra, segura”.
Nem mesmo a falta de nexo – o que tem a ver arder com agarrar? – fazia que eu deixasse de chorar ao receber uma aplicação de mercúrio cromo nas feridas diversas, “de carne viva”, que acumulei na infância.

Também lembro bem a divisão que fazia das pessoas, segundo a lhaneza no trato:
ou era uma manteiga ou um martelo.
Manteiga eram as pessoas de choro fácil, mas gentis, com quem ela normalmente conversava e, volta e meia, eu via nas narrativas interrompidas, soluçadas,lágrimas que muitas vezes eram enxutas com o avental.
Martelo era uma designação normalmente reservada para homens ou para alguma mulher mais dura ou decidida, coisa não comum à época de sua infância e juventude, e um conceito que guardou para toda vida.
Uma de suas tias - uma alemã casada com um dos italianos de quatro costados do meu ramo de família - numa determinada ocasião, cuidando da horta, teve um dedo picado por uma caranguejeira.
Essa tia, com a frieza germânica atávica, colocou o dedo sobre um mourão da cerca e, com um duro e rápido golpe de em facão, decepou a ponta do dedo envenenada. Em seguida matou a aranha e foi cuidar da ferida.
“- Era um martelo aquela mulher!”
Ficou clara para mim a definição.
No domingo que passou aconteceu a confraternização esperada, com nossas filhas e genro almoçando conosco.
Findo o dia, minha fofinha perguntou se eu estava contente, com lágrimas nos olhos.
É minha manteguinha.
Estava contente sim, operando minha nova chaleira elétrica, muito apropriada para meus cappuccinos.

Aceitam um?

sábado, 6 de agosto de 2011

Aniversário do Pedrinho

Talvez muitas de vocês tenham visto isso, outras tenham vivido isso.´
Com o passar do tempo, em seus registros fotográficos muitas vezes o que se vê na foto hoje não é o que se espera hoje também, mas lá está, calcado, o seu passado.
Hoje em dia, quem sabe, seja difícil achar algumas fotos, talvez escondidas ou mesmo rasgadas de vergonha, mas alguma de vocês ou sua filha, qualquer hora, usou uma bota igual a da Mara Maravilha ou aparelho nos dentes.
Talvez as duas coisas.
Quantas coisas nós guardamos na memória com carinho ou lembramos com um sorriso escorregado no canto da boca sem dar conta.
Com o tempo, regente do mundo, eu já travei várias batalhas, mesmo sabendo que, no final, ele calcará em mim sua marca e, jazido, serei lembrado somente em momento específicos, cada vez mais distanciados.
Esse melodrama todo vai por conta do primeiro aniversário do Pedrinho, nesta semana que passou.
Em dado momento relembrei as inúmeras vezes que a mãe dele passou aqui por nossa casa, e a evolução daquela menina alegre para a mamãe alegre, apegada ao filho como só uma mãe sabe.
As maquiagens, as roupas, os enfeites pendurados nas orelhas e pescoços.
A amizade dela e minha caçula, coisa de irmãs.
Mesmo sem eu querer, conversas que escapavam do segredo, vozes altas que entravam noite adentro.
Pedia para abaixar o tom da fala, não pelo ruído, mas pela discreção.
Que risadas fantática ouvi, acalentando minha alma.
Ia deixar isto tudo só como uma lembrança a mais, iguais a tantas outras que já tive; mas não. Resolvi registrar.
A memória vai largando coisas boas pelo caminho, lembranças que não gostaria de perder.
Palavras voam, escrita vive, não é isso.

Dedicado ao Pedrinho, com meus votos eternos de felicidades, para que, se um dia ele puder ler este registro, saiba que poucas vezes vi uma mãe exalar tanto amor pelo filho como vejo na Marcella,

E a minha querida sobrinha Mariana e sua vasta prole, de quem sempre tenho saudades.