sábado, 30 de agosto de 2008

Ao meu irmão Ticão.

Tenho em mim a grande alegria que foi a chegada do Luiz Antonio em casa.
Eu ainda não havia completado oito anos de idade e alguns dias depois aconteceria meu último natal no qual acreditaria ainda em Papai Noel. Oito anos era o limite para essa fantasia e meu aniversário seria no então longínquo mês de Março. Os anos só começaram a passar rápido depois dos dezoito.
Eu também não tinha a menor noção de como nasciam as crianças – quem diria de como eram geradas – e sequer havia reparado na gravidez da Natália.
Ali estava ele sobre uma manta na cama da minha irmã mais velha quando ela chegou e arrebatou o menino e começou a girar com ele, gerando um grande tumulto e desespero nas mães temerosas que a louca atitude pudesse quebrar o pescoço do garoto.
Éramos cinco crianças crescidas ensinando tudo quanto é tipo de traquinagem para o Luiz Antonio – só eu, dos meninos, escapei da praga de ter o segundo nome Antonio em casa – e ele nos retribuía com alegria e ternura, aquela só presente no rosto das crianças.
Minha irmã tocava acordeão e ele, sentado, respondia ao ritmo flexionando o corpinho gorducho para frente e para trás numa incrível sintonia com o andamento da música. Era uma atração para todos que nos visitavam.
Cresceu esperto, cresceu sadio, cresceu amado. Era nosso mascote em todas as brincadeiras, no time de futebol de salão, nos bailes em que descobríamos as delícias de roçar o antebraço na lateral do seio das garotas - sempre de forma sutil para não parecermos desrespeitosos.
Servia de escudo para as broncas como quando resolvemos pintar o quarto e invertemos as cores, pintando o teto de azul e as paredes de branco. Mamãe aplacou a bronca e papai achou até interessante, palavra que usava para dizer que não havia gostado.
A primeira mudança de direção no vento da felicidade veio pela boca de um médico norte-americano que minha irmã trouxe em casa que leu a mão de todo mundo – e errou em todos os prognósticos: minha irmã caçula não casou aos 20 anos, eu não me tornei um engenheiro famoso e, desgraça das desgraças, errou o vaticínio que “se o menino passasse dos quinze anos viveria bastante”.
O Tico, como ainda era seu apelido, saiu feito um rojão da sala e foi chorar na sua cama.
Dois erros: primeiro falar uma bobagem dessa natureza para uma criança, assumindo o papel de Deus e Senhor do Destino alheio. Segundo que o menino não viveu tanto: a morte veio a seu encontro com parcos 47 anos de idade.
A vida passou e o Tico se tornou Ticão e conheceu o amor de sua vida. Não só ele era apaixonado por aquela menina; todos nós éramos.
A paixão por aquela garota órfã - que vivia com uma tia - teve seu enorme problema justamente nessa senhora que lhe impôs um casamento imediato.
Não pode casar por problemas financeiros, o namoro terminou e ele nunca mais namorou ninguém.
Foi quando começou a parte difícil de sua vida e sobre a qual me recuso a falar e mesmo a pensar. Levarei na minha lembrança aquele garoto que junto comigo, só nós dois, enfrentávamos o resto da rua em rachões de futebol, às vezes com o Beto café-com-leite parado no meio das duas pedras ou dois tijolos que se postavam a guisa de trave.
A esta hora ele certamente está sentado à uma mesa colocando a prosa em dia com a Nona, o Zé e a Natália, explicando-lhes por quê cansou desta vida e pedindo algumas explicações que quando estiver do lado de lá também pedirei.
Até um dia meu amiguinho. Deixe os apetrechos para um par de cappuccinos preparados, porque eu tentarei ser bom o suficiente para me juntar a essa mesa um dia.
Enquanto isso vou juntando os pedaços do meu coração que sofreu muito com a sua ida.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Deus não foi justo

Já havia escrito outro texto para as Olimpíadas, mas resolvi colocar este no ar pela minha revolta pessoal com relação ao resultado do futebol feminino.
Depois de uma campanha muito boa, a melhor entre todas as seleções, perdemos um jogo onde as brasileiras ficaram com a bola nos pés mais de oitenta por cento do tempo e as americanas só desmanchando o que elas faziam.
De repente uma falha e o ouro vai embora para quem não trabalhou de forma merecida.
Aliás, é uma constante no futebol atual: um time tenta criar e tenta fazer e os medíocres ficam lá atrás só desmanchando.
O futebol, diga-se de passagem, está se destruindo. Não tenho prazer em ver mais jogo algum pela mediocridade que reina atualmente nesse jogo.
A Europa nos impõe sua superioridade econômica e impede o Brasil de formar sua melhor seleção nas Olimpíadas por que são medíocres. É só ver que quem chegou às finas da Europa foi a Bélgica que enfrentou a Itália. Se não fosse isso, nem brigar pelo bronze conseguiriam. E amanhã ainda tem mais possibilidades de ganhar por causa dessa regra que o futebol vive: eles vão jogar com duas linhas de quatro esperando uma falha da defesa brasileira. Depois disso será só chutão.
Estou tão chateado que falta vontade de seguir escrevendo.
Então aí vai o texto anterior que eu havia preparado:

O Brasil nas Olimpíadas de 2008.

Tenho que confessar minha grande frustração de infância que perpetua até os dias de hoje: gostaria de ter sido jogador de futebol. Mais que isso: gostaria de ter passado pelo menos uma bola para o Pelé fazer um golaço, de preferência contra a Argentina.
Mas minha asma afastou-me dos campos e a situação financeira de minha família nunca permitiu que me aventurasse a ficar sem trabalhar e batesse bola por aí.
Sempre fui muito alto e não podia jogar na linha com garotos da minha idade e fui relegado a ser goleiro, o que detestava e meus dedos mínimos cheios de fraturar são as lembranças pífias do tamanho do futebol que pratiquei.
Também não consegui treinar num sítio de um príncipe que morava perto de casa que costumava ensinar atirar com Arco e Flecha e Esgrima. Ainda que a própria mulher dele sugerisse que eu poderia ser um bom atleta nessas artes, minha mãe - receosa com mil detalhes - achou melhor eu estudar e pronto.
“Essas coisas de praticar esporte não dão camisa a ninguém e depois ficam como a Aída dos Santos” – dizia ela referindo-se a nossa atleta que, sem técnico, foi abandonada por dirigentes e com o pé torcido saltou um metro e setenta e quatro centímetros e terminou em quarto lugar no Salto em Altura em Tóquio, 1864.
É notório que o Brasil só começou a se importar com seus atletas quando isso passou a ser dedutível do Imposto de Renda.
Acho importante que isso ocorra e não consigo deixar de admirar outra profissão que o pessoal em casa achava que eu seguiria: Narrador de futebol.
Sim, eu não cansava de narrar em voz alta as partidas de futebol de botão que jogava na mesa da sala de jantar, para desespero dos ouvidos próximos.
Talvez Deus quisesse me poupar de dois sofrimentos: Torcer muito e ter que narrar os fatos que se sucedem nos dias atuais:
“Muito boa a participação do atleta brasileiro, chegando num excelente décimo oitavo lugar entre vinte e quatro concorrentes”.
Ou então: “trata-se de uma atleta nova, de apenas 17 anos, que nas próximas Olimpíadas já estará mais madura e poderá concorrer a uma posição melhor que seu décimo lugar”. Tive vontade de lembrar ao moço que a americana ganhadora da prova tinha somente 16 anos e passeou sobre a trave de forma mais segura do que eu ando nas calçadas de São Paulo.
Foi mesmo desesperador ver o Diego cair. Desesperador e inesperado, uma vez que ele sempre me pareceu muito preparado e seguro. Caiu como caíram vários dos melhores e acabou ganhando a medalha que ficou em pé, mesmo fazendo manobras mais simples.
Nada de pedir desculpas ao povo brasileiro Diego, o pais é que deve desculpas a você.
A Shawn tem médico, psicólogo, agente financeiro e professores particulares, além de grandes marqueteiros que prometeram mais do que ela fez. A diferença é que ela não caiu da trave e não chorou ao perder para outra atleta que ela viu ser melhor que ela. Com aqueles olhinhos vivos e dentões da Mônica ela olhou para a adversária com uma frase escrita no seu cenho: “Na próxima vai ter troco”.
Perder faz parte do esporte, você já nos encheu de orgulho como já o fizeram sua irmã, a Daiane, a Camila Comin, a Laís e outros que foram e deram o máximo de si.
Perderam, mas lutaram, sem ficar atribuindo à vontade divina a perda dentro das quadras e campos. Sinto uma necessidade imensa de dizer aos nossos jogadores de futebol que Deus não perde pênalti nem chuta bola raspando à trave; quem faz isso é jogador que não treinou fundamento ou amarelou.
Defendo a integração dos nossos atletas nessas competições, mesmo que um ou outro só tenham ido a Pequim para fazer turismo, para que animem empresas e crianças a participar dos próximos Jogos e quem sabe ainda levar algum para casa.
Agradeço também à China que fez com que eu perdesse ainda mais um pedaço do meu “Complexo de Vira-latas ” ao fazer todas aquelas fraudes na abertura dos Jogos, diferentemente do que foi feito no Rio 2007.
E também por mostrarem que são tão confiáveis na organização como os produtos que contrabandeamos de lá: SUMIR com a vara da Fabiana foi um prato cheio para nossas piadas.
Coitada dessa moça. Ela sabia que tinha chance e estava segura. Esse será mais um daqueles mistérios que só quando estiver face a face com o Criador que terei resposta.

Bem, já que citei o Criador, Ele não foi justo conosco nesta Olimpíada.