segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Obsequioso silêncio.

Pela enésima vez me submeto a uma cirurgia na boca.
Desta vez tenho algo em torno de dez metros de suturas do lado direito.
E uma instrução bem clara:
Não fale.
Já cheguei a considerar a hipótese da Doutora Márcia Leopoldo se cansar de me ouvir falar e, de quando em quando, ela resolve costurar a mandíbula com a arcada superior para me obrigar a manter a boca fechada e permitir aos meus convivas um descanso auricular.
Terminada a consulta ela foi condescendente e permitiu que eu me sentasse por pouco tempo à frente do computador e escrevesse algumas linhas.
Poucas.
Preciso descansar, alimentação líquida e cafuné, muito cafuné, para compensar a manhã toda desfrutada de boca aberta e com aquele gosto que só vampiro aprecia.

Para minha alegria a Paulinha já me mandou as fotos do aniversário da Bia e foi a primeira das mensagens que abri. Selecionei a foto onde a Beatriz aparece ladeada pelo Júnior e pela Paulinha para vocês admirarem.



A segunda mensagem foi enviada pelo Paulo Norberto e contem apensa a música Caixinha, Obrigado, do Juca Chaves, com uma apresentação de várias fotos adaptando a nossa situação atual à música dos anos sessenta, baixos.


Aliás, o Juca podia até ter um apelido que hoje em dia vai sumindo aos poucos, pois hoje os nomes de registro são Robertson, Willian ou Ronald; na minha rua tem um garoto cujo apelido é Billy. O primo dele é o Ronald Victor, por que a mãe quer que ele tenha um nome importante e vitorioso e não permite que o chamem por apelido algum. Fico me perguntando como seria na minha infância ter um amigo com esse nome numa brincadeira de bata-lata.

Como na minha casa sempre se respirou política – meu pai foi vereador e amigo de infância do Janio Quadros e minha mãe descendente de italianos, o que por si só já explica – as músicas do Juca Chaves eram sempre comentadas, mesmo as mais apimentadas.
Dá para lembrar muito bem cada verso ao que e a quem se referia.
Achei ótima também a adaptação atual, para que fique gravada a crítica de nossa época onde quando se fala em deputado e senador se lembra sempre de São Francisco.

Sinto falta de um gênio e do gênero musical que tenha a sutileza que Juca, o Menestrel Maldito, sempre teve.
Tinha lá suas manias, como se apresentar descalço. Naquele tempo bastava tirar o sapato para ser um escândalo. Já hoje...

Criticava-se o Presidente, a Primeira Dama, o Presidente do Senado, o Cunhado dele, e por aí afora.
E se podia votar no Cacareco.
Com o advento nobre da urna eletrônica, ganhamos em auto-estima quando comparamos nossas eleições com outros países, mas perdemos aquilo que era o mais divertido nas eleições: quem foi o vencedor do protesto.

Só me resta então descansar e ficar pensando uma maneira de sensibilizar nossos deputados e senadores e brigarmos pelo voto facultativo.
Num dia como o de ontem, com sol e praia e piscina e clube, e o mais importante, com a baixa qualidade dos nossos candidatos, dificilmente a abstenção seriam inferior a cinqüenta por cento.
Aí sim voltaríamos a rir bastante e ter assunto para o chope das oito da noite de domingo.

Aceitam um sorvete?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Minha floresta







Bem vindos todos!



Dia desses um vizinho, a guisa de crítica, disse que eu morava numa “floresta amazônica”.
Eu agradeci a menção e ele ficou, sinceramente, surpreso.
O passo seguinte foi a irritação pelo meu não entendimento de suas palavras e ele sugeriu que eu fizesse uma limpeza “nessas árvores todas” que eu tenho no jardim, pois isso só causa sujeira, se é que folhas mortas - além de letra de samba-canção - é sujeira.

Também reclamou da sujeirada que os passarinhos fazem, mostrando algumas manchas esbranquiçadas no chão. Levando o assunto com diplomacia, comentei que “quando da época da amora, as manchas ficam roxas e são difíceis de lavar pois grudam no carro".
Ele se animou e comentou das vantagens do piso que colocou em volta da sua casa e das facilidades que sua mulher tinha ao limpar o chão, não ficando nada parecido com o meu chão, e aí você certamente já entendeu a crítica. Relevei...

Conversando com a folga que minha aposentadoria permite e com os negócios parados à espera da cotação do dólar, falei da alegria que é ouvir o canto do sabiá-laranjeira com os primeiros raios de claridade. Errei no comentário outra vez, pois usa resposta foi direta: “acorda a gente logo cedo essa cantoria”.
Rebati dizendo que, quem efetivamente faz barulho são as maritacas, e ele concordou que nossas tardes têm alguns decibéis além da calmaria reinante no bairro.

Ele também falou que tem um gavião no bairro – imagine – e o bicho ataca o galinheiro que ele tem nos fundos da casa e ele foi obrigado a "gastar dinheiro" para colocar uma cerca de arame para evitar os danos e a histeria das galinhas que se tornam menos poedeiras.

Falei de uma rolinha que fez seu ninho numa planta artificial que temos na varanda e ele foi ligeiro ao comentar que esse bicho tem piolhos. Fui mais ligeiro ao comentar que galinha poderia ter mais, já que ele não vacinava as galinhas dele. E talvez a atração pelos ovos estariam resultando na migração paulatina de gambás que habitam o terreno da Marquesa, como é conhecida a área que era residência da Marquesa de Santos, limítrofe aqui na nossa rua.
Para provocar eu falei de um episódio que aconteceu durante a construção do muro na frente de casa.
Meu pai, que fazia a empreitada comigo, construía um pequeno telhado para abrigar a churrasqueira quando, de repente, e não mais que de repente, ele pegou uma marreta e desferiu um tremendo golpe no muro, abrindo um rombo em um tijolo. Face minha expressão de espanto, muda, meu velho comentou que a corruíra – e me mostrou o pássaro – gostava de construir ninhos em buracos assim.
E é verdade; todo ano alguma corruíra constrói um ninho por lá.
E as cambacicas...
E os beija-flores...

Da trabalho sim, mas é uma delícia mesmo quando os araçás caem sobre o telhado da garagem e me acordam de madrugada. Ainda assim, vejo neste momento um gordinho sabiá procurando alimento; e no verão os bem-te-vis vão voltar por aqui.

Aceitam um cappuccino?

sábado, 4 de outubro de 2008

Fazer o bem não importa a quem.

Quando era garoto, quiçá mercê das inúmeras encrencas em que me metia por ter um gênio razoavelmente explosivo – para dizer o mínimo – meu pai sempre escrevia mensagem no verso do meu calendário de aulas que ele primorosamente datilografava na Sorocabana onde trabalhava.
A mensagem do título foi repetida em diversas ocasiões, sempre me lembrando que “Amar a Deus acima de todas as coisas e AO PRÓXIMO COMO A TI MESMO” era o primeiro mandamento.
Se era o primeiro não era à toa.
Outra frase dentre as suas prediletas era: “Se como o sândalo, que perfuma o machado que o fere”.
Tinha também aquela lembrança de que o primeiro crime da humanidade que se teve registro, na Bíblia, tinha por motivação a inveja. Descontado o aspecto Darwin da História, quem escreveu esse trecho pela primeira vez deve ter sido abençoado com a orientação divina para nos ensinar que a inveja deve ser o pior dos pecados capitais, se podemos fazer uma classificação de pecados, estes mais, estes menos.

E assim eu fui crescendo, ajudando a Dona Maria e o Seu Vicente a limpar o poço d’água, carregando as compras da feira de sábado, ajudando cegos a atravessarem a rua dando o braço e não pegando no braço deles.
Nunca quem pediu um pedaço de pão na casa dos meus pais saiu sem pelo menos uma banana - a fruta, não o ato desairoso.

Realmente nossos tempos estão muito mudados em valores, e eu me pergunto se isso não faz parte do caminho auto destrutivo que a humanidade carregaria em seus genes.
Nós criamos a bomba atômica!
E tinha um presidente americano querendo criar a bomba de nêutrons, para matar as pessoas e deixar os prédios em pé. Só não foi adiante na idéia porque alguém fez uma péssima tradução de um trecho de um jornal brasileiro: “BNH mata mutuários com suas prestações e deixa as construções vazias”. “Se o Brasil já tem isso não deve ser grande coisa”, certamente pensou.
Isso aconteceu mais ou menos em 1980, quando conheci o Rio de Janeiro.
De súbito tive a definitiva impressão que o dia que o pessoal da Rocinha descesse o morro o Rio acabaria. Com todo respeito às pessoas de bem – maioria quase absoluta – que lá vive.
Até quando as classes altas e médias acham que o povo simplesmente vai “concordar” que nasceram sem a boa chance e se conformarão em se manter em cubículos de tijolo aparente para sustentar as compras de bolsas de R$40.000,00, indispensáveis para combinar com os sapatos e cinto de R$20.000,00?

A caminho do baile sábado passado, conversávamos a Elisa, a Kátia, o Rogério e eu sobre alguns fatos do nosso dia-a-dia quando lembrei de uma festa que fui com minha família há alguns anos atrás e lá, um camarada que acabáramos de conhecer, veio fazer aquele tipo de penitência ou confidência que na verdade é um ato de contar vantagem: do nada ele nos falou que um filho dele - que estava dançando ali ao lado feito uma ema nervosa - tinha atropelado e matado um infeliz. E não nos deixou sequer recuperar do golpe quando falou que tinha gasto uma tremenda nota com advogados para evitar que a família do morto recebesse uma indenização.
Sim, foi isso mesmo, preferiu gastar com os advogados que reparar a desgraça feita para um pai de duas crianças.
Confesso que sai dali para não olhar mais a cara do sujeito para evitar a tentação de, ao sair da festa e sentar ao volante do meu carro, atropelá-lo, matá-lo e depois pagar advogados para não indenizar a família. Lembrei como nunca do meu pai e do sândalo, do Deus que meus pais me ensinaram acreditar.
Graças a Ele essa nossa conversa no carro foi abafada por um bom baile na AABB que desfrutamos logo depois.
Nada como dançar e dançar bastante, solto, alegre.
Toda hora me vinha na cabia aquele trecho de música: “e no entanto é preciso cantar...
O domingo foi tranquilo e pude pensar em música o dia todo.
Talvez a Humanidade se mantenha de pé por conta das Artes.
Se aceitarmos as designações de Ricciotto Canuto, Música, Dança ou Coreografia, Pintura, Escultura, Teatro, Literatura e Cinema devem ser fundamentais para a manutenção do Mundo dentro do seu eixo.
Podem adicionar aí as orações que nós não podemos deixar de fazer, principalmente quando nossas filhas saem para a balada ou para trabalhar de bicicleta.
E o futebol de Pelé e Garrincha, as duas maiores expressões dessa arte em todos os tempos.

Felizes de nós paulistanos que agora temos um Museu do Futebol para visitar.
E ai vai um dado que não sei se consta do nosso Museu:
Experimente escrever o nome Pelé no Google para pesquisa. Veja a resposta:
Resultados 1 - 10 de aproximadamente 26.800.000 para Pelé (0,22 segundos)

Agora coloque o nome do anão argentino e veja a resposta:
Resultados 1 - 10 de aproximadamente 13.400.000 para Maradona (0,08 segundos)

Sei, eu sei, foi maldade.
Vamos fazer o bem não importa a quem.



Dedico esta crônica ao meu amigo recém-falecido Aguinaldo Cleto Porto, no centro da foto abaixo, entre a Elisa e o Arnaldo, que sempre foi uma pessoa boa.