quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A loteria necessária

Em algum momento no passado foi criado o conceito que ser pobre era necessário para o bem da alma.
Imagino que foi pensado por alguém rico que queria algum sossego por parte da população miserável que sempre compôs um sexto – ou mais – da população da Terra.
Ensinamentos de vários profetas passam por essa vertente.
Nós que fomos criados no maior país católico do mundo, ou os americanos que foram criados no maior país cristão do mundo – todo mundo tem que ser melhor ou maior que o outro – aprendemos, sectariamente, a escolher entre a vida na Terra ou a vida na Morte. Era a máxima cristã:
“É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus”.
Quando garoto essas parábolas sempre me distraíam do verdadeiro ensinamento a que se propunham. A professora de catecismo falava a citação e prosseguia no desvendar do seu sentido e eu me distraia com a imagem do focinho do camelo sendo empurrado pelo buraco da agulha.
Às vezes acho que teria sido melhor dar o recado diretamente, sem frozôs.
Somente em 1.995 meu tio e parceiro Tarcísio Leite desvendou parte do mistério desse dito: ele me explicou que o camelo do provérbio era, na verdade, aquela corda grossa que prende o navio ao cais. Assim era chamada por ser feita, na antiguidade, com pelos de camelo. Ainda me resta saber qual era a largura da corda e o tamanho da agulha de então.
Uma coisa, entretanto, aprendi: o ensinamento não especificava que rico não entraria no Reino dos Céus. Só dizia ser meio trabalhoso.
Nestes dias tenho acompanhado nos noticiários a propaganda da loteria do final de ano que vai pagar uma grana tão grande que quase dá para comprar um país.
Muitos sonhadores, ao serem questionados pelos repórteres que não sabem fazer outra pergunta senão: “O que você faria com um dinheiro desses?”, dão logo como primeira resposta:
“Ajudar pessoas necessitadas”.
Acredito que a maioria gostaria de se tornar um bom rico ou aproveitam a reportagem para aparar alguma aresta com o Divino; afinal, qualquer argumento é válido para aumentar suas chances.
Depois eles fornecem as mais divertidas opiniões, a maioria delas passando a mensagem de que, na real, na real, cairão na gandaia e o circo que pegue fogo.

Mas nós temos que aprender algo nessa parábola do prêmio de 100 milhões de Reais:
Só nos restam duas alternativas nos dias de hoje num país tão forrado de desmazelos advindos de maus governantes:
Ou se ganha na loteria e se muda para a Singapura, Suécia ou Islândia para podermos nos ver livres da corrupção,
Ou a gente tem mesmo é que tomar uma caninha e xingar o pessoal da cueca.

A Enfermeira da Jamaica, por exemplo, me diria que a chance de ganhar esse prêmio é tanta quanto à possibilidade de um camelo passar pelo fundo de uma agulha.

Então pessoal, com licença, eu vou tomar uma.

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