sábado, 4 de outubro de 2008

Fazer o bem não importa a quem.

Quando era garoto, quiçá mercê das inúmeras encrencas em que me metia por ter um gênio razoavelmente explosivo – para dizer o mínimo – meu pai sempre escrevia mensagem no verso do meu calendário de aulas que ele primorosamente datilografava na Sorocabana onde trabalhava.
A mensagem do título foi repetida em diversas ocasiões, sempre me lembrando que “Amar a Deus acima de todas as coisas e AO PRÓXIMO COMO A TI MESMO” era o primeiro mandamento.
Se era o primeiro não era à toa.
Outra frase dentre as suas prediletas era: “Se como o sândalo, que perfuma o machado que o fere”.
Tinha também aquela lembrança de que o primeiro crime da humanidade que se teve registro, na Bíblia, tinha por motivação a inveja. Descontado o aspecto Darwin da História, quem escreveu esse trecho pela primeira vez deve ter sido abençoado com a orientação divina para nos ensinar que a inveja deve ser o pior dos pecados capitais, se podemos fazer uma classificação de pecados, estes mais, estes menos.

E assim eu fui crescendo, ajudando a Dona Maria e o Seu Vicente a limpar o poço d’água, carregando as compras da feira de sábado, ajudando cegos a atravessarem a rua dando o braço e não pegando no braço deles.
Nunca quem pediu um pedaço de pão na casa dos meus pais saiu sem pelo menos uma banana - a fruta, não o ato desairoso.

Realmente nossos tempos estão muito mudados em valores, e eu me pergunto se isso não faz parte do caminho auto destrutivo que a humanidade carregaria em seus genes.
Nós criamos a bomba atômica!
E tinha um presidente americano querendo criar a bomba de nêutrons, para matar as pessoas e deixar os prédios em pé. Só não foi adiante na idéia porque alguém fez uma péssima tradução de um trecho de um jornal brasileiro: “BNH mata mutuários com suas prestações e deixa as construções vazias”. “Se o Brasil já tem isso não deve ser grande coisa”, certamente pensou.
Isso aconteceu mais ou menos em 1980, quando conheci o Rio de Janeiro.
De súbito tive a definitiva impressão que o dia que o pessoal da Rocinha descesse o morro o Rio acabaria. Com todo respeito às pessoas de bem – maioria quase absoluta – que lá vive.
Até quando as classes altas e médias acham que o povo simplesmente vai “concordar” que nasceram sem a boa chance e se conformarão em se manter em cubículos de tijolo aparente para sustentar as compras de bolsas de R$40.000,00, indispensáveis para combinar com os sapatos e cinto de R$20.000,00?

A caminho do baile sábado passado, conversávamos a Elisa, a Kátia, o Rogério e eu sobre alguns fatos do nosso dia-a-dia quando lembrei de uma festa que fui com minha família há alguns anos atrás e lá, um camarada que acabáramos de conhecer, veio fazer aquele tipo de penitência ou confidência que na verdade é um ato de contar vantagem: do nada ele nos falou que um filho dele - que estava dançando ali ao lado feito uma ema nervosa - tinha atropelado e matado um infeliz. E não nos deixou sequer recuperar do golpe quando falou que tinha gasto uma tremenda nota com advogados para evitar que a família do morto recebesse uma indenização.
Sim, foi isso mesmo, preferiu gastar com os advogados que reparar a desgraça feita para um pai de duas crianças.
Confesso que sai dali para não olhar mais a cara do sujeito para evitar a tentação de, ao sair da festa e sentar ao volante do meu carro, atropelá-lo, matá-lo e depois pagar advogados para não indenizar a família. Lembrei como nunca do meu pai e do sândalo, do Deus que meus pais me ensinaram acreditar.
Graças a Ele essa nossa conversa no carro foi abafada por um bom baile na AABB que desfrutamos logo depois.
Nada como dançar e dançar bastante, solto, alegre.
Toda hora me vinha na cabia aquele trecho de música: “e no entanto é preciso cantar...
O domingo foi tranquilo e pude pensar em música o dia todo.
Talvez a Humanidade se mantenha de pé por conta das Artes.
Se aceitarmos as designações de Ricciotto Canuto, Música, Dança ou Coreografia, Pintura, Escultura, Teatro, Literatura e Cinema devem ser fundamentais para a manutenção do Mundo dentro do seu eixo.
Podem adicionar aí as orações que nós não podemos deixar de fazer, principalmente quando nossas filhas saem para a balada ou para trabalhar de bicicleta.
E o futebol de Pelé e Garrincha, as duas maiores expressões dessa arte em todos os tempos.

Felizes de nós paulistanos que agora temos um Museu do Futebol para visitar.
E ai vai um dado que não sei se consta do nosso Museu:
Experimente escrever o nome Pelé no Google para pesquisa. Veja a resposta:
Resultados 1 - 10 de aproximadamente 26.800.000 para Pelé (0,22 segundos)

Agora coloque o nome do anão argentino e veja a resposta:
Resultados 1 - 10 de aproximadamente 13.400.000 para Maradona (0,08 segundos)

Sei, eu sei, foi maldade.
Vamos fazer o bem não importa a quem.



Dedico esta crônica ao meu amigo recém-falecido Aguinaldo Cleto Porto, no centro da foto abaixo, entre a Elisa e o Arnaldo, que sempre foi uma pessoa boa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Você está a cada dia escrevendo melhor. Concordo com você em relação à falta de base tanto da família quanto da escola, coitadas, tão desvirtuada as duas nos dias de hoje quanto à estas funções vitais.
Quanto às nobres artes, sempre serão artes e nobres, porque representam, em sua essência, a inspiração divina, grandiosa, do ser humano. Sua admiradora número um, sempre. Beijos.