sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O pior de todos os medos.

Muito provavelmente alguns de vocês se reconhecerão em algumas citações que farei, mercê de nossas conversas gerais. Sem preocupação; eu garanto o sigilo.

Falo sobre essa febre de não viver que é alimentada dia a dia por uma torrente de notícias agourantes, fruto, na maioria das vezes, de pessoas que possuem algum distúrbio mórbido, às vezes sem perceber. Elas transbordam suas angústias aos amigos, sem lhes pedir licença, mais ou menos como eu estou fazendo agora.
Não quero ser roubado em nada, não quero perder nenhum parente ou amigo em assaltos ou seqüestros.
Tenho que confessar, entretanto, que não tenho vontade de ceder mais do que cedo ao medo.

Essa conversa me vem à tona pelo cuidado, eventualmente excessivo, que tenho com minhas garotas; as três.
Tenho que para com isso.

Vivemos décadas de medos mutantes: medo do comunismo, da ditadura, de ir para a rua lutar pela democracia, do comunismo novamente, do neoliberalismo, da pseudo-honestidade de princípios e propósitos.
Já houve também a de usar tênis novos, relógio Rolex, charuto no bolso, arrastões nas praias.

(Eu, particularmente, morria de medo de atravessar pontes. Aí, um dia, atravessando a Ponte Rio-Niterói, comecei a passar mal. Não sei se por solidariedade ou por medo de se afogar no meu suor abundante, meu amigo Urbano Brunoro me deu uma aula de engenharia. Prometi-me mudar e afogar esse medo. No ano seguinte consegui atravessar uma ponte perto do Cabo Canaveral que, apesar dos pesares ainda povoa meus sonhos e faz minhas mãos suarem. Mas consegui.)

Depois foi a neura do automóvel: seu carro não deve chamar muito a atenção, de preferência deve ter uns três a quatro anos de uso. Isso por que se for muito novo, vão roubá-lo e vendê-lo no Paraguai. Se for muito velho, após o surrupio será destinado ao desmanche.

O carro nos proporciona um arsenal de medos sem fim: é a extorsão do flanelinha, o roubo do rádio, o risco feito com prego, o pneu furado, a loira que cai na sua frente e o negrão que aparece ao lado do motorista com um baita revolvão.
O medo de dar carona está extinguindo uma prática que vivi em toda minha juventude sem carro.

Os muros baixos são definitivamente coisa do passado e hoje na frente deles temos um camarada que se propõe a tomar conta da casa, assim, na boa, pois sabe como é, na boa, arrumar emprego não é fácil. E vem o pavor de ter um vagabundo monitorando sua casa 24 horas.

Com o advento da internet nos trancamos cada vez mais em casa e vamos nos envolvendo na espiral da desconfiança.

É o medo das senhas roubadas, então você deve minimizar a página ou colocar a senha errada na primeira tentativa. Aí, um bandido experto coloca aquela frase “Você digitou a senha errada” qualquer que seja a senha registrada e o conselho caduca.

Há mais ou menos um ano, sem falha, recebemos semanalmente em nossos e-mails mensagens solicitando atualização cadastral em banco que não temos conta, dos que temos conta, da Justiça do Trabalho, de companhias aéreas pedindo confirmação ou cancelamento de passagem comprada.
Ou seja: se ceder a neura vamos ficar trocando e-mail a cada dois, três dias e... bom, aí ninguém vai saber qual é o nosso e-mail e nos vamos nos isolando dentro do muro alto, do carro blindado, da porta blindada, e talvez venhamos a morrer de fome por causa do medo de ir à feira e ao supermercado.

Foram criados sítios de relacionamento para que se pudesse encontrar amigos e gente com o mesmo tipo de pensamento. O tal do Orkut.
Meu Deus do Céu, quantos e-mails que eu recebo dizendo dos perigos do Orkut que, diga-se de passagem, não retribuí aos convites para me associar por pura preguiça.
Os recados vêem aos borbotões: os bandidos entram nesses sítios e ficam sabendo da sua vida toda, sabem como é sua cara e aplicam o golpe do falso seqüestro por telefone, ou a extorsão pura e simples. Aquele golpe que um cara diz que está com sua filha e você, no pavor, acredita que aquele choro que você ouve é mesmo sua filha. Ainda mais se a menina, na ânsia da privacidade, deixa o celular sempre desligado.
Ou então vêem a cara risonha do Arnaldão no blog dele, e as fotos das mulheres maravilhosas, doas amigos maravilhosos que povoam sua vida.
Isto é um perigo.
Esta é mesmo uma das piores ameaças: VOCÊ NÃO TEM DIREITO DE TER AMIGOS, de procurar pessoas que fizeram parte da história da sua vida no passado ou partilham algum momento feliz no presente.

Aquelas jóias da família não podem ser usadas por que o filho drogado de sua amiga, ou aquele sobrinho desajuizado, vão entrar em contato com bandidos para que você seja roubada e depois eles recebam uma parte do butim para poder gastar em drogas ou mesmo em uma viagem.

O medo assume formas absudas.

Atavicamente não sou fã de presidentes americanos, mas tenho que ressaltar uma frase dita pelo presidente Lyndon Johnson quando de sua posse:
Não devemos temer senão ao próprio medo.
Papai, ao ouvir esta frase, disse com um olhar preocupado:
“Isso não é bom”.
Ele temia que um par de idiotas apertassem um par de botões e acabasse o mundo.
Porém ele ressaltou um ensinamento:
"Precisamos ter inteligência para enfrentar o medo; o medo só é bom até a gente se submeter a ele".
Talvez tenha sido a maior fresa que meu pai me disse.

Em suma, repito uma frase que disse ao meu dileto professor Israel, de grande saudade:

É melhor ser feliz junto que contente sozinho.

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